'Príncipe do Bixiga', inspirado em Leo Santana, lota reduto de samba em SP com piseiro

'Príncipe do Bixiga' lota reduto de samba em SP com piseiro Uma caixa de som, um microfone com fio e um copo de cachaça com limão para dar coragem: foi assim...

'Príncipe do Bixiga', inspirado em Leo Santana, lota reduto de samba em SP com piseiro
'Príncipe do Bixiga', inspirado em Leo Santana, lota reduto de samba em SP com piseiro (Foto: Reprodução)

'Príncipe do Bixiga' lota reduto de samba em SP com piseiro Uma caixa de som, um microfone com fio e um copo de cachaça com limão para dar coragem: foi assim que o baiano Rom Santana, da região da Chapada Diamantina, mudou a rotina da Rua 13 de Maio, no Bixiga, bairro boêmio no Centro de São Paulo. Conhecida por rodas de samba, blocos de carnaval e até bares de rock, a 13 de Maio virou, em pouco mais de dois anos, também casa do piseiro — graças ao gogó e ao gingado de Rom, que ganhou o título de "Príncipe do Bixiga". E hoje já tem até quem o chame de “Rei da 13”. Os shows naquela rua começaram no fim de 2022, quando Rom foi chamado para cantar no aniversário de um amigo, na mercearia de bairro Bella Doces, na altura do número 119. A performance empolgou tanto que virou ritual: sábado após sábado, ele voltava. Rom Santana com seu público no Belas Doces, no Bixiga. Arquivo pessoal Em pouco tempo, o que era só um evento entre conhecidos se tornou ponto de encontro para fãs de forró, brega e piseiro. Hoje, em vez de sair no sábado à noite para ir a uma festa ou uma balada, tem quem escolha ir ao Bixiga, depois das 22h, para ver o homem em ação. Quando os bares começam a fechar, Rom assume o microfone e garante o rolê até a madrugada — para quem continua de bar em bar, buscando por diversão, ou para quem está chegando só para ouvi-lo cantar. Ele se apresenta geralmente colado ao balcão do mercadinho , entre o caixa e a prateleira. O espaço improvisado vira palco, e o público — que fecha a Rua 13 de Maio — equilibra os copos de bebida com o flash do celular ligado. Teve sábado com mais de 1.500 pessoas dançando no meio da rua, segundo a produção do artista — e até gente vindo do Rio de Janeiro só para ver o show. Nas apresentações, que começam por volta das 23h, Rom canta, dança, tira a camisa e comanda coreografias no estilo pagodão baiano. Em um vídeo, é possível ver o coro de "felinos e felinas" acompanhando a apresentação (veja acima). 🦁 Os fãs são chamados de felinos e felinas por conta do signo de Rom, que é leonino. No repertório, o artista mistura músicas autorais com covers de João Gomes, Leo Santana e tudo o que estiver em alta entre o público brasileiro — dos virais do TikTok às faixas que tocam nas rádios. No Bella Doces foi onde ganhei esse público que tenho hoje. Ali fiz da mesma forma que em outros lugares onde passei: colocava o meu celular com os beats e cantava. A gente começou ali para os amigos. Daí a galera foi vendo e agora você sabe como é? 13 de Maio, no final de semana, sempre movimentada O que diz a lei A fiscalização desse tipo de show, na rua, não está no escopo da Prefeitura de São Paulo. Se houver reclamações, a orientação é acionar a PM. "O Programa de Silêncio Urbano (Psiu) possui competência para fiscalizar emissões sonoras provenientes de atividades não residenciais sujeitas à licença de funcionamento, de veículos de som estacionados e de obras que necessitam alvará de execução", informa, em nota, a prefeitura. 🔍 A Lei do Psiu é uma legislação municipal que visa controlar e fiscalizar a poluição sonora causada principalmente por estabelecimentos comerciais, indústrias, templos religiosos e obras sujeitas a alvará. Estabelecimentos podem ser multados ou até interditados em caso de descumprimento. As multas variam entre R$ 8.000 e R$ 30.000, e a fiscalização é feita pelas subprefeituras da capital. O horário mais restritivo é entre 22h e 7h. O programa não cobre barulho de residências, que segue outra legislação federal (Lei das Contravenções Penais). O 'Príncipe do Bixiga' Rom ganhou o apelido de Príncipe do Bixiga. Divulgação Rom sempre gostou de música, mas pensou em seguir a profissão em 2018. Na época, ele estava sozinho em São Paulo (veja mais abaixo) e começou a publicar vídeos cantando no Facebook. "Um dia estava bebendo no bar com um amigo e tinha um cara usando uma base e cantando como se fosse um karaokê. Nisso, eu levantei e escolhi uma música para cantar também, fui de Tarcísio do Acordeon", disse ao g1. Após a palinha, o dono do bar foi até Rom e disse que ele levava jeito para música. Foi quando ele começou a cantar em bares na região do Bixiga, mas sempre para amigos, até que foi convidado para ir ao mercadinho Bella Doces. "Pegava o celular, colocava numa caixa, aí eu tinha um microfone com fio, que era emprestado. Os donos dos bares me elogiavam, me davam cachaça, porque nessa época eu nem cobrava nada pelos shows." A Rua 13 de Maio é uma das vias mais emblemáticas do bairro do Bixiga e guarda parte importante da história cultural e boêmia de São Paulo. Com seus casarões antigos, a 13 é conhecida por ser um reduto da música popular brasileira — especialmente do samba — e por seu papel na resistência cultural da cidade. O nome, inclusive, foi dado em homenagem à data da assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, que aboliu a escravidão no Brasil. Entre as décadas de 1960 a 1980, a rua se consolidou como ponto de encontro de artistas, intelectuais e músicos. Era comum encontrar nomes como Tim Maia, Elis Regina, Adoniran Barbosa e Itamar Assumpção circulando por ali. A região abrigava (e ainda abriga) bares, botecos, casas noturnas e espaços culturais que misturavam samba, rock, MPB e teatro. Hoje, quem chega à 13 de Maio numa sexta ou num sábado à noite tem várias opções de bares e música. O Sirigoela, o Bar da Dalva e a Casa Umbabarauma são conhecidos pelo samba e pagode ao vivo. Há ainda bares que tocam rock, como o tradicional Café Piu Piu, além de tabacarias e lounges. Na Dalva, por exemplo, a música costuma ir até o amanhecer, como na composição do sambista Geraldo Filme: Quem nunca viu o samba amanhecer / Vai no Bixiga pra ver / Vai no Bixiga pra ver. Quem sente fome, também encontra opções que vão do espetinho de rua às pizzarias e esfirrarias, além de restaurantes, como o clássico da madrugada, o "Restaurante da Baiana", localizado em frente à Paróquia Nossa Senhora Achiropita. Agora, com Rom, o Bixiga passou a ter pelo menos dois pontos para se ouvir piseiro: a Rua 13 de Maio e a casa de shows Terraços Lounge, na Rua Rui Barbosa — que, além de bar, funciona como karaokê e recebe atrações como Jotinha do Forró e Filho San. "A gente começou a trabalhar piseiro numa rua que era comandada pelo rock e pelo samba. O piseiro ali era algo que não era costumeiro, quer dizer, não acontecia. E acabou dando muito certo", afirmou o produtor do artista, Robson Araújo de Melo. Mas tem quem tenha se incomodado com a farra. Segundo o produtor, o número de pessoas reunidas ficou tão grande que atrapalhou alguns vizinhos. Por esse motivo, hoje as apresentações acontecem com menos frequência. “Trabalho com eventos há muito tempo, e a gente sabe que é complicado fazer eventos na rua, porque a gente acaba não tendo tanto controle. Às vezes a polícia chega e não quer deixar o pessoal lá. Nosso intuito não é atrapalhar a vizinhança ou algo do tipo", disse Robson. Romário Ramos, filho de Menezes Rom Santana se apresentando no Bella Doces. Reprodução Rom Santana, cujo nome de batismo é Romário Silva Ramos, nasceu em Iramaia, interior da Bahia, e cresceu na região rural da cidade que tem cerca de 10 mil habitantes. Aos 31 anos, ele sempre teve uma forte ligação com a música e a dança, mesmo antes de imaginar que um dia cantaria profissionalmente. "Por lá sou filho de Menezes, o cantor. Meu pai gosta de cantar uns repentes, fazer brincadeiras nos bares enquanto toma cachaça", afirmou Rom. Mas, na virada de 2010 para 2011, veio para São Paulo com outra vontade: queria "mudar de vida", como ele mesmo diz, e trabalhar com o irmão. "Cheguei aqui em São Paulo — lembro até hoje — no dia 28 de dezembro de 2010, faltavam dois ou três dias para 2011. Vim quase na virada do ano, uma data que normalmente a gente passa com a família. Meu irmão já morava aqui. Ele veio antes de mim, já estava aqui havia uns dois ou três anos. Ele veio para trabalhar também, assim como eu", disse Rom. "A nossa realidade lá na Bahia é de família humilde. Meus pais, meus avós, toda a minha família. Eu, assim como vários nordestinos, saí de lá para vir para São Paulo tentar um trabalho melhor, ganhar a vida, aquela coisa toda. Quando cheguei, meu irmão trabalhava como pizzaiolo, e eu coloquei na cabeça que queria ser pizzaiolo também", completou. Rom conta que o irmão voltou para Iramaia, mas ele decidiu seguir em São Paulo, apesar de enfrentar a solidão de estar longe da família. "São Paulo tem muitas oportunidades, mas, se você não tiver uma mente forte, acaba seguindo pelo caminho errado. [Quando meu irmão foi embora,] tive que me virar sozinho. Me orientar por conta própria, o que foi muito desafiador. Já pensei em voltar para casa várias vezes. Chorava sozinho dentro de casa e pensava: 'Mano, vou voltar para lá'. Mas aí vinha aquele pensamento de voltar sem conquistar nada", afirmou. Quando adolescente, gostava de ir a festas, geralmente as gratuitas organizadas pela prefeitura em praças, ou aguardava a abertura das portas em festas pagas para entrar de graça e curtir o final do evento. Foi nessa época que Rom criou uma admiração pelo cantor Leo Santana, que, inclusive, inspirou seu nome artístico: Rom Santana. “Não sabia o que era ‘ser fã de alguém’, mas eu já gostava, olhava para ele [Leo Santana] com admiração. Uma vez lembro que fui até numa festa dessa, de graça, assim, na rua, na prefeitura, no começo da carreira dele. Ele fez o show, e eu fiquei olhando da plateia e pensei : ‘Caraca, esse cara é realmente bom'. Ficava admirando ele. Até hoje, ele é o meu ídolo na música", disse. Das ruas para casas de show Rom Santana se apresentando na festa Risca Fada. A fama ficou tão grande na região que, em 2025, passou a fazer apresentações em outras ruas da cidade, como a Rua João de Barros, no Bar do Chagas, na Barra Funda, Zona Oeste. Mas ficou difícil controlar o número de felinos e felinas nas ruas e até mesmo o barulho nas calçadas. Com isso, a solução foi migrar para lugares fechados. Rom virou atração de festas fechadas como a Risca Fada e Je Treme, em locais como o Funilaria e até na Audio Club, casa de show com capacidade para cerca de 3 mil pessoas. Apesar de gostar da rua, Rom abraçou a ideia. "O rolê de rua é mais democrático, mais livre, você fica à vontade, e isso é uma coisa que eu também gosto muito. A diferença está aí: na rua, tem essa liberdade, essa vibe mais solta; já no espaço fechado, é diferente", contou. "Show em local fechado também é bom, gosto bastante, até porque ajuda a profissionalizar ainda mais o trabalho." "Na rua, não dá para fazer tantos shows quanto nas casas de espetáculo. E isso vem com uma responsabilidade: pegar essa galera que me conheceu na rua e conseguir levar para um local fechado. Não é fácil", completa.